segunda-feira, 13 de junho de 2011

NÃO FAZEMOS POLÍTICA COMO NOSSOS PAIS - Uma crítica à reportagem de capa da Revista Darcy




*Por Felipe de Oliveira

A reportagem de capa da edição n.º 6 da Revista Darcy, intitulada “Não fazemos política como nossos pais”, trata da situação atual do movimento estudantil a partir de uma tese de doutorado que analisou o Movimento Passe Livre, de autoria da socióloga Adriana Saraiva, e das mobilizações de ocupação da Reitoria da UnB, em 2008, e do Fora Arruda, em 2009.

A primeira palavra com a qual poderíamos classificar a matéria após uma primeira leitura é “tendenciosa”. Entretanto, a análise de alguns pontos da reportagem, uma vez feita de maneira mais criteriosa e atenta, indica que chamar a matéria de tendenciosa toma ares de elogio benevolente, cheio de inocência. É tão grande o desfile de exageros, distorções e desinformação que chega a ser difícil a tarefa a que me proponho nesta crítica, qual seja, a de esclarecer o teor da gororoba sensacionalista publicada na revista.


Para tornar a tarefa mais fácil, tomei a liberdade (e o cuidado) de extrair os pontos-chave da matéria e analisá-los um a um.


1. Apartidarismo do movimento estudantil

A defesa da tese de que o “novo” movimento estudantil/juvenil é apartidário ou é ingênua, ou é mal-intencionada. As próprias fotos utilizadas na reportagem, sobretudo as que retratam a mobilização contra o então governador Arruda, servem de evidência contra essa ideia: não são poucas as pessoas vestindo camisetas ou empunhando bandeiras de partidos políticos.

Em uma das fotos, na página 14, é possível ver que a garota cercada pela polícia veste uma camiseta da AJR, a ala juvenil do Partido da Causa Operária (PCO). Aliás, a própria escolha das fotos contribui para o caráter sensacionalista da reportagem. Através delas, constrói-se uma imagem heróica, quase aos moldes bíblicos, dos estudantes mobilizados: eles são Davi enfrentando, corajosa e messianicamente, o gigante Golias.

Ao invés de apartidarismo, o que se observa é o caráter multipartidário da mobilização, onde a presença de partidos políticos de esquerda – PT, PSTU, PSOL, PCO e PC do B, principalmente – é intensa. Ainda que multipartidário, a mobilização possuiu um único espírito ideológico, o de Esquerda, com proeminência do discurso socialista e suaves nuances anarquistas. Ao contrário do que advoga a reportagem, o movimento estudantil de hoje nunca esteve tão próximo das ebulições conhecidas como Maio de 1968.


2. Não-institucionalização e autonomismo

Compreendendo não-institucionalização como a ausência de grupos organizados de maneira mais formal – com algum grau de hierarquização (divisão de tarefas) e burocratização (organização de comissões, grupos de trabalho e coordenação de tarefas) – em torno de demandas específicas, a experiência das mobilizações da invasão da Reitoria da UnB e do Fora Arruda não apresentou essa característica. A estruturação desses movimentos teve forte orientação adhocrática, significando que, longe de representar autonomismo, foi possível notar níveis de hierarquização e um primário formalismo burocrático, que explico a seguir.


a. Hierarquização

A despeito da heterogeneidade presente nas duas mobilizações, as constantes reuniões e assembléias deixavam claro que havia lideranças conduzindo o processo. Essas lideranças não possuíam proeminência formal (ou, em termos weberianos, não eram estabelecidas num processo de dominação racional-legal), mas se faziam presentes através de um mandato informal balizado por seu vanguardismo intelectual: eram as pessoas mais articuladas, aquelas a quem mais se recorria ao longo das mobilizações, consultadas a todo instante pela maioria dos participantes.

Curiosamente, essa cúpula intelectual de ambos os movimentos era formada justamente por representantes de partidos e grupos políticos específicos. O caso da invasão à Reitoria é emblemático: a tutoria da mobilização era efetuada por integrantes de grupos como a Rede Estudantil Classista e Combativa (RECC), do Movimento Estudantil Popular Revolucionário (MEPR) e da então gestão do Diretório Central dos Estudantes (DCE) – que possuía fortes ligações com o PSTU e o PSOL.


b. Formalismo burocrático

Como aponta o pequeno relato da estudante Mel Gallo sobre a invasão do prédio da Câmara Legislativa feita pelo movimento Fora Arruda, a mobilização foi organizada com base em princípios burocráticos mínimos. A divisão do grupo em comissões e a condução de votações em assembléia mostram isso de modo evidente. Aliás, essa burocratização incipiente foi apontada pela própria estudante como essencial para a conquista do apoio de organizações de caráter institucional, como sindicatos e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Nesse sentido, a tese de que ambas as mobilizações tiveram caráter autonomista fica bastante enfraquecida. Autonomismo implica interações sinérgicas e espontâneas entre os indivíduos de maneira não-formal e não-institucional, o que, como explicado, não ocorreu. Ademais, a afirmação de que a cultura autonomista é sinônimo de “respeito às diferenças e lutas de cada um” não poderia ser mais distorcida. A tolerância e o respeito são valores que independem do grau de burocratização e de hierarquização da organização de grupos políticos. Afinal, a própria Constituição Federal de 1988 estabelece esses dois valores como fundamentais à organização democrática do Estado brasileiro – que, por óbvio, nada possui de autonomista.


3. A importância da mobilização estudantil na queda de Arruda

“José Roberto Arruda provavelmente não teria renunciado se não fosse a organização da juventude brasiliense” (p. 14). O absurdo embutido nessa sentença beira o vergonhoso. Laurear a mobilização juvenil como crucial e decisiva na queda do ex-governador Arruma é uma atitude míope. Não se pode desconsiderar nessa análise a pressão de diversos outros grupos e organizações – partidos, sindicatos, associações, grupos de interesse –, bem como o papel da imprensa ao dar ampla publicidade a todo o esquema de corrupção instalado no governo Arruda. É inegável a importância da mobilização estudantil/juvenil nesse contexto, bem como a sua legitimidade – afinal, manifestar-se contra a corrupção e exigir que os culpados sejam punidos de maneira exemplar é algo essencial em qualquer democracia –, mas não é possível apontá-la como o fator preponderante para a renúncia do ex-governador. Advogar essa ideia é tratar toda a questão de maneira muito simplista.


4. Mobilização estudantil e caso WikiLeaks

A reportagem lembra que, quando o WikiLeaks publicou na internet documentos confidenciais do governo dos Estados Unidos pela segunda vez, algumas empresas que financiavam o site retiraram seu apoio. Em represália, o grupo hacker Anonymous invadiu e derrubou os sistemas de informação dessas empresas, como a Mastercard e a Pay Pal, por algumas horas. Para a pesquisadora Adriana Saraiva, isso é evidência de que “a internet é um instrumento poderoso para a difusão de concepções políticas e de ativismo social”.

Não sei qual é a concepção de ativismo social que a pesquisadora possui e defende, mas invadir sites através da ação de hackers e derrubar sistemas de informação privados, prejudicando aqueles que dependem dessas ferramentas – tanto as organizações quanto seus clientes –, possui um nome bem específico: intolerância. Isso não apenas ilustra o caráter desrespeitoso e agressivo desse caso em particular, mas mostra que mobilizações em prol de causas ditas progressistas não raro recorrem a métodos de ação bastante autoritários – e, eventualmente, criminosos.

Esse caráter totalitário ficou bastante visível na mobilização LGBT ocorrida na UnB (referenciada na p. 15). Durante aquela manifestação, murais e paredes do prédio do Instituto Central de Ciências (ICC) foram pichados com frases de efeito e desenhos. Além disso, cartazes de divulgação de festas de alguns centros acadêmicos foram depredados – foram pintados com tinta preta e a eles colaram adesivos com os dizeres “não financie a homofobia”, “não financie o machismo” –, o que gerou prejuízo financeiro para os CAs que afixaram os cartazes. A mobilização da comunidade LGBT contra o preconceito e a violência é válida e necessária, mas ela perde completamente o foco quando recorre a esse tipo de comportamento. Nesse caso em particular, ficou claro que a defesa de uma causa deu lugar à imposição dessa causa, imposição essa que recorreu a comportamentos e atitudes completamente arbitrários e antidemocráticos. Em última instância, o que se pode observar foi a validação da velha ideia de que fins superiores justificam meios violentos.

As conclusões que se pode obter da reportagem são as de que juventude de hoje, no geral, é politicamente engajada; que as mobilizações estudantis/juvenis são puramente autonomistas; que o ex-governador Arruda só caiu por causa da mobilização dos jovens; que o movimento Fora Arruda originou-se da invasão à Reitoria da UnB, em 2008; e que a internet é ferramenta fundamental ao novo movimento estudantil/juvenil, que pode utilizá-la, inclusive, de maneiras bastante questionáveis. A luta contra a corrupção e o preconceito é de suma importância, mas ela não deve converter a liberdade de expressão em liberdade de agressão.

No fim das contas, a matéria se converteu em uma ode de louvor aos estudantes e jovens, atribuindo a eles importância e responsabilidades que, no fundo, são exageros desmesurados, com pouca ou nenhuma relação com a realidade objetiva dos fatos. Acredito que isso se deu muito mais por ingenuidade do que por má-fé ou falta de profissionalismo. Ainda assim, essa matéria transformou a Revista Darcy, que deveria ser um veículo de jornalismo científico e cultural, em uma peça de jornalismo raso, panfletário e extremamente parcial.


*Felipe de Oliveira é estudante de Administração na UnB e escreveu esta análise tendo por base reportagem disponível aqui:
http://www.revistadarcy.unb.br/wordpress/wp-content/uploads/2011/05/darcy06-integral.pdf

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Greve, de novo...

Os funcionários da UnB entraram de novo em greve.

Após negociações, ficou decidido que o HUB não será paralisado em áreas essenciais (que, aliás, já estavam em situação extremamente precária), mas até agora o RU e a BCE restam fechados.

A situação é complexa, mas é preciso de razoabilidade para admitirmos que serviços como o Restaurante Universitário e, principalmente, a Bilioteca são essenciais a vida universitária e não podem ser totalmente paralisados. A situação atual se torna especialmente insustentável quando se observa que boa parte dos funcionários da BCE são terceirizados, logo, não estão de greve.

Mais informações:

http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=5198

http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=5194

Blog da Liberdade