domingo, 13 de fevereiro de 2011

CESPE: parte I.

CESPE: HISTÓRIA, IRREGULARIDADES E SOLUÇÕES.

Engana-se aquele que pensa que a UnB só ganha as páginas dos jornais por escândalos envolvendo corrupção, trotes de mal gosto, consumo de drogas e coisas afins. O CESPE, motivo de grande orgulho para toda a comunidade acadêmica pela excelência na realização de provas e concursos, tornou-se nos últimos tempos o centro das atenções. “Poderosa máquina de concurso” diz a manchete do Estadão, “CESPE entra na mira do MEC”.

Face ao crescente interesse da comunidade universitária diante do tema, nós da Aliança pela Liberdade fornecemos aqui um breve histórico da questão, com ênfase sobre (1) a importância do CESPE para a UnB, (2) a necessidade de regularização da instituição, (3) as soluções postas a mesa e (4) nossas opiniões.

A importância do CESPE para a UnB.

O Centro de Seleção e Promoção de Eventos (CESPE) foi criado em 1993 pela reitoria da Universidade de Brasília. Em seus 18 anos de existência, a instituição se destacou pelas inovações e pela eficiência do serviço prestado, na elaboração, aplicação e correção de provas de vestibulares e concursos.

O modelo de provas de vestibulares, que nós alunos da UnB tão bem conhecemos, não encontra paralelo em nenhuma outra instituição do país. Em, vez de questões divididas em matérias e isoladas uma das outras, as questões elaboradas pelo CESPE compõem um roteiro de prova, cobrando do aluno um entendimento mais profundo da teoria (já que a prova tem vocação para prejudicar os decoradores de exemplos). Não é por acaso que a prova do ENEM, reformulado em 2009, siga o modelo elaborado pelo CESPE.

Ao longo dos anos o Centro se destacou também na realização de concursos públicos, alcançando a liderança nesse seguimento. Com a expansão das carreiras públicas, mais acentuadas nos últimos 3 anos, o CESPE viu seu faturamento ultrapassar a casa dos duzentos milhões de reais em 2008.

Tudo andava muito bem e, mesmo em 2010 (ano eleitoral) a instituição conseguiu praticamente manter seu faturamento. Nos últimos anos, o CESPE tem sido o responsável por cerca de 25% do total de recursos do orçamento da UnB. Entre todas as instituições vinculadas ao MEC, a Fundação Universidade de Brasília (graças sobretudo ao CESPE) é a instituição que mais arrecada recursos próprios em todo o país, o que coloca a UnB no primeiro plano da universidades brasileiras (em termos de recursos). Ficando atrás apenas da UFRJ. Somente pelo Fundo de Amparo Institucional (FAI) o CESPE repassou a UnB a importância de 40 milhões de reais no ano passado e sua arrecadação passou de 260 milhões de reais no mesmo ano.

Não cabe dúvida. Além de abrigarmos uma instituição que uniu diversos departamentos na pesquisa e desenvolvimento de métodos seletivos de vanguarda, estamos também diante de “uma poderosa máquina de concursos”. E dela depende tanto a expansão física dessa universidade (incluindo aí novos campi) como a melhoria das instalações e reformas.


A necessidade de regularização do CESPE.

O Tribunal de Contas da União (TCU) recebeu um requerimento aprovad pelo Senado Federal que pedia auditoria na contas do CESPE, a fim de verificar possíveis irregularidades na contratação e/ou pagamento de servidores e prestadores de serviços. Embora as suspeitas iniciais não tenham sido confirmadas, a auditoria encontrou uma série de irregularidades no regime de pagamento do CESPE.

A Gratificação Por Encargo de Curso e Concurso (GECC) não vinha observando os critérios estabelecidos por lei. Ela não poderia ser uma gratificação fixa, mas sim uma gratificação paga de acordo com o número de horas trabalhadas pelo servidor. Ela não poderia ser paga a servidores lotados diretamente no CESPE, por desvirtuar a gratificação (que é um adicional pela realização de outra atividade, que não a principal do servidor). Ela deveria obdecer um teto limite de horas trabalhadas que, na opinião de especialistas, inviabilizaria o funcionamento da instituição. Além disso, a GECC precisaria ter um caráter eventual, mas a realização de concursos não é uma atividade eventual, e sim a atividade fim (permanente) do CESPE.

Quanto a contratação de terceiros não vinculados a FUB a questão se torna muito mais complexa. O Cespe contrata na modalidade de “Tarefa” milhares de pessoas para aplicar e corrigir provas. Como a atividade é eventual e sua magnitude variável, não faria sentido a instituição contratar pessoal permanentemente para esse tipo de atividade. Porém, contratados sob o regime de prestador de serviço, que deveria também ser eventual, o CESPE possuía mais de 200 funcionários que atuam no núcleo de atividades fixas do órgão e que trabalham lá, em média, a 5 anos. Isso desvirtua o contrato de prestador de serviço. Além disso, por exercer funções fixas, tais funcionários deveriam ser aprovados em concurso público, o que não foi feito. No entendimento dos auditores, trata-se de uma terceirização ilegal.

Diante dessas irregularidades, o TCU celebrou um acordo com o CESPE, fixando um prazo para que a instituição se regularizasse. Foram tentadas tanto uma alteração na lei em virtude da especificidade das atividades do CESPE, junto ao MEC e MCT. A proposta não foi bem recebida pelos ministérios. Foi tentado também a contratação de uma Fundação de Apoio para contratar os os funcionários sob o regime da CLT. A proposta, que passou antes pela avaliação do MP-DF, também não foi bem recebida. O prazo espirou em julho do ano passado e a UnB conseguiu uma prorrogação do prazo para o cumprimento do acordo, sob a justificativa de que as soluções foram tentadas, mas não dependiam apenas da UnB. Prorrogado o acordo, uma vez mais a UnB não conseguiu se regularizar e aguarda a apreciação de um novo pedido de prorrogação.

Se a prorrogação não for aceita, a atividade do CESPE será considerada ilegal. As medidas que colocariam o CESPE na legalidade (como a demissão de mais de 200 funcionários) tornaria inviável a realização de suas atividades.

Soluções.

No momento em que a UnB procurava uma solução para a questão das contratações, o MEC demonstrou interesse em criar uma empresa pública de concurso voltada, sobretudo, para a realização do ENEM. Atualmente, quem coordena as diversas atividades que compõem o exame é o INEP: é ela quem contrata diversas instituições para elaborar, aplicar e corrigir as provas. A ideia do Ministro Fernando Haddad é incorporar o CESPE dentro dessa empresa, aproveitando oknow-how desenvolvido pela universidade.

Para a UnB os riscos são: a perda dos recursos, a perda da ligação entre o CESPE e a Academia (tão fundamental para a excelência alcançada) e a perda do controle e direção do Centro. Além disso, podemos imaginar o desastre que seria a “Concursobras” virar moeda política dentro de nosso “presidencialismo de coalizão”.

Como a criação de uma empresa pública depende da aprovação de um projeto de lei, o Consuni tem discutido a possibilidade de a UnB redigir a proposta para, só então, iniciar as negociações com MEC. Uma hipótese que tem sido descartada, seria a UnB se esforçar pela contratação, através de concurso público, dos funcionários lotados no CESPE. É bem verdade que se trata de um montante significativo, mas é uma possibilidade. Ainda assim, permaneceria os problemas com a GECC.


Conclusão.

Alguns membros do Consuni tem manifestado uma contrariedade ao funcionamento do CESPE, que chegou a ser comparado com o “mal holandês” (uma alusão ao dilema mais conhecido como “maldição do petróleo”). Outros estudantes, com clara inspiração ideológica, tem mostrado contrariedade ao funcionamento de um Centro que se comporta como uma empresa dentro das dependências da Universidade. Há ainda aqueles que defendem que o CESPE se limite a realizar apenas as seleções da própria UnB.

Como tem enfatizado a conselheira Gardênia Abbad do Instituto de Psicologia, a UnB não pode entregar de bandeja uma técnica e um conhecimento gerados no âmbito da Universidade, que envolveu esforços de alunos e professores dos mais diversos cursos. Como tem enfatizado, por sua vez, o Decano da Administração, Pedro Murrrieta, não podemos fazer pouco caso da importância do CESPE no equilíbrio orçamentário da Universidade.

Embora a Aliança ainda não tenha firmado opinião a cerca da questão, adianto um juízo que dificilmente será contrariado: além de endossar as palavras dos professores citados, acreditamos que qualquer que seja a solução, ela deverá manter firme o vínculo entro o CESPE e a academia, o que passa pelo controle sobre a administração e recursos gerados pela instituição em sua casa, que é a UnB.

*Os dados foram retirados do documento intitulado “Regularização do CESPE”, enviado aos conselheiros para a 375ª reunião do Consuni, realizado no dia 28 de janeiro.

** A meteria mencionada foi publicada no jornal O Estado de São Paulo no dia 16 de janeiro de 2010.

Por Saulo Maia

colab



O Tribunal de Contas da União (TCU) fez uma auditoria na conta do Centro de Seleção e Promoção de Eventos (Cespe), conforme requerimento aprovado no plenário do Senado federal em 02/04/2009, por inciativa do senador Álvaro Dias (PSDB-PR).


O pedido do senador se deveu a suspeita de que os pagamentos do Cespe a terceiros e a prestadores de serviço não vinculados a Fundação Universidade de Brasília (FUB) seriam discrepantes em relação as demais universidades brasileiras. Quanto a isso nenhuma irregularidade foi encontrada, pois a UnB gasta mais com pessoal pela simples razão de que capta mais recursos próprios e essa capitação se dá através do Cespe.

A outra suspeita era a de que haveria favorecimento na contratação de funcionários sem concurso público
por serem familiares de membros da FUB. Isso se confirmou, porém sem grande gravidade.

Com o decorrer da auditoria, porém, o TCU observou uma série de irregularidades no regime de pagamentos do Cespe, tanto no que se refere a funcionários da FUB quanto a terceiros.

Quanto ao segundo caso, que é o mais grave, a justificativa dada pelo Cespe é que pelo caráter esporádico das atividades que ele presta, não seria eficiente manter um corpo de funcionários ociosos em períodos em que os contratos fossem escassos. Quanto ao primeiro caso, o novo regime de gratificação do docente inviabiliza as atividades do CESPE, pois limita bastante o número de horas que um servidor poderia dedicar a estas atividades. Por isso, o CESPE contrata conforme a demanda do momento.

Não obstante, esse modo de contratação, segundo a legislação vigente, seria aceitável apenas em caráter excepcional. Todavia, como fazer concurso é atividade fim do CESPE, essa excepcionalidade se perpetua ao longo do tempo.

O TCU deu um prazo para a UnB se adequar a legislação, o que a UnB não cumpriu. O prazo foi prorrogado e a UnB não cumpriu de novo. O TCU, entretanto, reconheceu os esforços da UnB no sentido de solucionar o problema e aceitou os argumentos da Universidade prorrogando novamente o prazo para o Cespe regularizar o modo de remuneração de seus colaboradores até meados de 2011.

Ademais, na tentativa de se adequar ao entendimento do TCU, a nossa Universidade apresentou ao Ministério do Planejamento uma proposta de criação de um projeto de lei que reconhecesse a atividade peculiar do CESPE, o que demandaria uma legislação específica no tocante a contratações e gratificações. Não deu certo. Uma segunda solução foi apresentada pela UnB ao Ministério Público do Distrito Federal transformando o Cespe em uma fundação de apoio à UnB. Contudo, segundo entendimento da Promotora Ana Carolina Marques de que é inviável manter uma fundação com recursos próprios da UnB, esta proposta também foi rejeitada.

Desse modo, a situação atual é seguinte: a UnB está aguardando um novo pedido de prorrogação do acordo firmado com o TCU. Se o acordo não for prorrogado, o CESPE deixa imediatamente de funcionar. Pesa a favor da UnB o fato de que se o Cespe não funciona diversos concursos públicos não poderão ser realizados.

Eis então que o caminhos do Cespe e do Ministério da Educação (MEC) se cruzam. O Cespe precisa se regularizar e o MEC precisa fazer um ENEM minimamente seguro, haja vista os últimos problemas com esse exame, e reconhece que só a UnB tem know-how para executar bem essa tarefa. A proposta do Ministro da Educação Fernando Hadaad é criar uma empresa pública de concursos, vinculada a UnB (pelo menos acadêmicamente). Como a lei que criaria esta estatal não existe, discute-se agora se a UnB poderia apresentar uma proposta que garantisse o controle político, pedagógico e financeiro da nova estatal.


Do contrário, sem essa ou outra solução, a UnB perde sua maior fonte de recursos, o Cespe. A UnB é a segunda universidade que mais capta recursos, só ficando atrás da UFRJ (que, não por acaso, abriga a maior concorrente do CESPE, a CESGRANRIO). Cerca de 25 % do orçamento executado pela FUB (valor flutuante ao longo do tempo) depende dos recursos injetados pelo CESPE.

Saiba mais aqui:

http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=4533

http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=4557

http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.phpid=4615

http://www.unb.br/noticias/unbagencia/artigo.phpid=364

http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=4622


Saulo Maia e **Mateus Lôbo (além de membros da Aliança pela Liberdade) são representantes discentes no Conselho Superior (CONSUNI) e estudantes do Departamento de História e do Instituto de Ciência Política, respectivamente, da Universidade de Brasília.

Nenhum comentário:

Blog da Liberdade