segunda-feira, 7 de junho de 2010

A marcha contra a homofobia não pode se tornar a marcha da vingança

Texto de autoria de Henrique Fialho Barbosa.

No dia 27 de maio de 2010 houve, na UnB, uma marcha e um beijaço em favor de uma universidade sem homofobia. Esse acontecimento foi disparado como uma resposta aos trotes homofóbicos que são ubíquos na nossa universidade, principalmente nos cursos de engenharias.

O protesto veio em boa hora e foi muito bom para lembrar a todos como a questão da homofobia é séria na nossa sociedade – enquanto estávamos marchando, uma das participantes recebeu uma ligação anônima com uma ameaça de morte. Então isso quer dizer que nada daquilo ali era inventado ou sequer aumentado, mas sim uma realidade diuturna de medo e violência para os homossexuais.

A ideia do beijaço é boa e serve para combater aqueles que ainda acham que a homossexualidade deve ser combatida e, principalmente, para aqueles que acham que “tudo bem ser gay, o problema é mostrar isso, porque ofende quem tá vendo”. O beijaço tem no fundo uma consciência de que não é nem um pouco ofensivo demonstrar amor por quem se gosta, e que essa condição surgiu de processos sociais opressivos que marginalizavam a homossexualidade. Ora, está na hora de trazer à luz esses processos sociais e desconstruí-los de seu caráter de opressão. Somente demonstrando que os gays existem e que não querem nem vão se esconder por muito mais tempo é que se começa a mudar essa mentalidade.

Porém aconteceram algumas coisas durante essa marcha que me preocuparam profundamente. A maioria dessas coisas pode ser ilustrada com o episódio do CA de agronomia. Quando paramos a marcha na frente do CA de agronomia houve um novo beijaço e o protesto continuou. Porém algumas pessoas começaram a colar adesivos da campanha na placa do CA e começaram a querer colar uma bandeira do movimento homossexual na placa desse mesmo CA. As pessoas do curso não foram agressivas em relação à marcha nem relação ao beijaço, mas se opuseram fortemente à “desfiguração” de sua placa, e eu acho que acertadamente.

Porque que esse episódio demonstra um erro profundo na concepção de algumas pessoas em relação à luta contra a homofobia? Porque ele mostra que às vezes alguns estão dispostos a cruzar a linha do desrespeito em relação ao próximo. O CA de agronomia tinha todo o direito de manter a sua placa limpa – nenhuma das pessoas presentes na marcha tinha o direito de impor que outras pessoas lutassem, mesmo que passivamente, pelas suas próprias ideias. É errado ser homofóbico, mas não é errado não falar nada. É um direito. E, mesmo depois de protestos das pessoas de agronomia, os presentes na marcha continuaram colando adesivos e tentando colocar a bandeira, até que dois representantes do CA retiraram a placa de onde ela estava, e foram vaiados. Foram vaiados por que? Por quererem defender o seu direito? Uma moça de agronomia tentou falar o que achava no megafone e foi interrompida e ignorada.

Então quando interpelados sobre essa falta de respeito à liberdade do outro, muitos respondiam dizendo que “eles nos desrespeitam também”. Ora, a marcha contra a homofobia era uma marcha a favor da tolerância, do respeito e da liberdade ou era uma marcha a favor da vingança? Já que eles nos desrespeitam, temos o direito de fazer o mesmo? Obviamente a resposta é não. E é um não veemente – esse tipo de ação chega mesmo a produzir efeitos contrários naqueles que se sentem desrespeitados: raiva e ódio contra o movimento dos homossexuais. E é essa raiva e esse ódio que essas pessoas vão transmitir pra seus parentes e amigos, colocando assim mais combustível no ciclo de desrespeito e de intolerância da homofobia.

Outra questão importante pode ser ilustrada com outra história: havia uma moça pichando nas paredes e no chão casais homossexuais. A validade da pichação eu não quero discutir aqui, mas eu perguntei a ela: porque não pichar um casal heterossexual, depois de tantos homossexuais já pintados? Ela me respondeu dizendo que isso não era importante, porque os heterossexuais já tem respeito. Isso me causou angústia, porque na minha concepção aquela marcha era uma marcha a favor da liberdade sexual: Homo, bi ou hétero. E eu acho importante reiterar isso – que a marcha é a favor de TODAS as identidades sexuais, inclusive a heterossexual. Porque é isso que define, pelo menos para mim, o movimento da liberdade de expressão sexual. Sem isso as pessoas heterossexuais podem encarar o movimento como uma “ameaça”, e esse sentimento de ameaça, mais uma vez, coloca fogo na roda da intolerância. Justamente por estarmos requerendo direitos é que precisamos ser muito cuidadosos com o direito do próximo.

A conclusão a que quero chegar com esse longuíssimo texto, se alguém o leu inteiro, é a de que o revanchismo só pode levar a uma divisão ainda maior da sociedade entre grupos antagônicos. Se houve opressão no passado, e se há – com certeza há, e forte – não é oprimindo os outros que remediaremos isso. O único meio seguro e justo de apagar esse passado é construindo uma ponte ao “outro lado”, para que sejamos todos do mesmo lado. E não um muro.

*As ideias presentes no texto são de responsabilidade de seu autor.

Nenhum comentário:

Blog da Liberdade