quinta-feira, 3 de junho de 2010

O autoritarismo e a Autoridade, ou a licenciosidade e a Liberdade.


Nós últimos dias a UnB tornou-se palco das mais variadas formas de intolerância, autoritarismo, truculência e violência. O ambiente em que vivemos é o da mais completa licenciosidade, degeneração grosseira da liberdade. Quando a lei e as liberdades individuais viram palavras ao vento, a única esperança dos amantes da liberdade é que o bom-senso das pessoas compense o estado de licenciosidade. O problema é que o bom-senso, sufocado pelo radicalismo juvenil, foi uma das principais vítimas dos abusos verificados em nossa Universidade.

Reunião do CEPE é "implodida" por estudantes e votação do calendário foi adiada.
No último dia 13 de maio a reunião do Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão (CEPE), que votaria o calendário acadêmico, foi suspensa por força de um protesto levado a cabo por alguns poucos estudantes. A grande maioria deles é filiada a grupos políticos de ultra-esquerda, desde anarquistas até maoístas. Os manifestantes alegavam que os professores não poderiam abandonar a greve para não enfraquecer a luta dos servidores técnico-administrativos, que no momento permanecem sem a URP em seus contra-cheques.
Mesmo considerando válida a opinião destes estudantes (concordar ou discordar fica a cargo de cada um, mas respeitar é dever do homo democraticus), não podemos considerar legítimo o método de atuação de quem desrespeita as instituições da Universidade sempre que estas expressam opiniões distintas. (A expressão implosão foi usada por aqueles que interromperam a reunião do CEPE; não obstante, consideramos o termo inadequado tanto pela imprecisão como pela linguagem militaresca).
Imagine o que ocorreria com a política se todo grupo contrariado pelo resultado obtido dentro das regras do jogo se sentisse no direito de barrar violentamente o processo de tomada de decisões? Seria o caos, aliais, como já o vivemos, então digo: é o caos! Do mesmo modo que respeitamos as minorias em seu direito de expressar suas opiniões, em sua liberdade de associação e seu direito à oposição, as minorias também tem o dever de respeitar a pluralidade de opiniões e a legitimidade das instituições.
E o pior de tudo é que não é a primeira vez que as autoridades competentes da Universidade se omitem em seu papel de manter a ordem e a legalidade no ambiente acadêmico. Talvez confundam autonomia universitária com anarquia, que no momento mais parece um inferno hobbesiano.
Ora, se a violência e o desrespeito as instituições são métodos legítimos de reivindicação, então quem discorda da atitude daqueles que "implodiram" o CEPE deveriam ir até lá lutar, literalmente, por suas reivindicações? Não, jamais. Já avançamos demais em termos de civilidade para resolvermos nossos conflitos de forma violenta.

Assembléia dos estudantes votou a greve estudantil e táticas de atuação no CEPE.
Já no dia 18 de maio realizou-se no ceubinho (entrada do ICC ala norte) a Assembléia Geral dos Estudantes. O principal ponto de pauta seria a votação pela manutenção da greve estudantil. Levando-se em consideração o emprego completamente anacrônico e excludente da dita Democracia direta, não podemos nos surpreender com o nível das discussões e com o teor dos discursos de aspirantes a oradores.
Só o fato de se votar uma greve estudantil num momento em que milhares de estudantes já estão em sala de aula, mostra a distorção gravíssima entre a posição da Assembléia (que contava com menos de 200 pessoas) e a posição da grande massa de estudantes.
Não podemos culpar ninguém por não participar. Muitos possuem compromissos que os impedem de comparecer às Assembléias e outros até possuem tempo, mas falta-lhes a paciência para entulhar seus ouvidos com toda sorte de bobagens por horas a fio. A manutenção dessas instituições excludentes atualmente só servem para perpetuar o domínio de determinadas facções do movimento estudantil, notadamente dos estudantes profissionais.
Na oportunidade, os grupos que empreenderam a implosão do CEPE da semana anterior tiveram a pachorra de alegar que, se a atitude deles não foi votada na última assembléia estudantil, logo eles tinham o direito de acabar com a reunião daquele conselho universitário. Numa apropriação filosófica de discutível talento, trouxeram Kant para a discussão sustentando que esse tipo de decisão não poderia ser tomada a priori...
Immanuel Kant, que era um defensor do Estado de Direito, a esta altura deve estar se debatendo em seu túmulo... É Kant, já freqüentaste mentes mais cultas!
Por fim, para o escândalo daqueles que pensavam já ter visto de tudo em termos de movimento estudantil, surge a seguinte proposta: só implodimos o CEPE novamente se eles aprovarem o calendário. Ninguém melhor que a estimada amiga e colega de Curso Joana Ricarte caracterizou a mentalidade dessa gente:

"Comportam-se como a criança que perde o jogo e leva a bola pra casa".

Foi com essa bela demonstração de presença de espírito que ela concluiu seu discurso contra aquela proposta ao mesmo tempo indecorosa e indecente.
Que fique claro que não compete aos estudantes da UnB votar pela interrupção de nenhuma reunião de qualquer conselho da UnB. Não há respaldo jurídico para tal.
Ouvimos ainda outros sapientíssimos estudantes fazerem a apologia da ação direta (leia-se invasões, piquetes e demais medidas arbitrárias do gênero), alegando que sem estes métodos os servidores não ganharão nada. Disseram ainda que não devemos depositar nenhuma esperança nas "instituições burguesas" para garantir direitos.
Entendem por que é racional se ausentar das assembléias dos estudantes?
Aos partidários da ação direta, eu gostaria de recordar que os professores não foram nem de longe tão radicais quanto os servidores e, mesmo assim, garantiram suas reivindicações na Justiça. Já parte do movimento grevista apelou para métodos mais radicais: fecharam os acessos da reitoria, queimaram pneus (o que interditou temporariamente vários acessos da Universidade), porém descuidaram-se das medidas jurídicas cabíveis. Pressionaram o TRF a julgar logo a liminar que garantia a URP e, por incrível que pareça, foram surpreendidos quando souberam que a ação nem mesmo os representava.
Não podemos individualizar culpas pois o fenômeno é complexo, mas é inegável que se hoje nenhum técnico administrativo está recebendo a URP é em grande parte por causa do seu próprio sindicato. Quando o momento é tumultuado, devemos escolher a luz como nossa companheira, posto que boas intenções não bastam para atingir resultados satisfatórios.
E, para fechar, gostaríamos de manifestar meu descontentamento com a intolerância que se observa em nossa universidade. Gostaria de me solidarizar com a professora Enilde Faustich, chefe do Departamento de Letras (LIP). Reivindicar é um direito e se expressar também, mas estes direitos não anulam nem prescrevem o direito de outras pessoas. A professora foi ferida, antes de tudo, em sua dignidade como mulher, como pesquisadora, como professora e como cidadã.
Passamos por tantas melhorias nos últimos anos em nossa Universidade (sobretudo em termos de infra-estrutura) e, quando assisto a fatos lamentáveis como os descritos, pergunto-me sem a pretensão de responder: quando, finalmente, esposaremos a LIBERDADE na UnB?

Este texto é de autoria de Saulo Said. O autor é o único responsável pelas opiniões por ele emitidas.

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