sábado, 31 de outubro de 2009

Abusar do abuso - Parte II


Conheço Henrique Barbosa, que não é membro da Aliança pela Liberdade, há alguns semestres. Em muito pouco temos convergências de idéias. Mas eu não poderia concordar mais com seus argumentos sobre a invasão promovida por alguns alunos de Serviço Social. Por isso publico, mesmo que tardiamente, essa excelente carta:


Caros Estudantes de Serviço Social da UnB,Meu nome é Henrique Barbosa e sou estudante de Relações Internacionais da UnB, porém neste email não falo pelo meu curso (esse é o papel do CA, e não meu), mas por mim.Eu li a nota aberta à universidade que vocês publicaram e gostaria de, civilizadamente, dizer algumas sobre ela.

A primeira coisa é algo que se nota já no segundo parágrafo da carta: Um belo argumentum ad hominem como justificação primeira e geral. Vocês dizem que o argumento daqueles que são contra a ocupação não são válidos porque "reproduzem um pensamento que serve aos interesses de um determinado setor acadêmico que...". Ora, isso é claramente falso. Vocês, primeiro de tudo, estão fazendo uma generalização falsa, porque EU sou ferrenhamente contra a "ocupação" de vocês e comi no RU quase todos os dias nos últimos dois anos, além de utilizar as mesmas salas que vocês usam. Talvez as salas da FA sejam melhores, mas eu sempre faço matérias que são de algum modo desconexas com REL (e.g. cálculo II, etc), e essas matérias todas são em salas do ICC ou do PJC. Sou exatamente tão estudante da UnB e presencio as dificuldades da nossa universidade o tanto quanto vocês. Mas esse não é o ponto - o ponto é que vocês se utilizaram da identidade de um argumentante ("não-usuário do RU") como base para dizer que o argumento dele é falso. Ora, isso é objetivamente falso. Um argumento só pode ser avaliado de acordo com os seus próprios méritos, e não pelo fato de quem o criou ser branco, amarelo, usuário do RU ou não.¹


Segundo ponto: o argumento de que a "ocupação" foi "democrática" porque foi decidida através de "duas assembleias gerais dos estudantes de Serviço Social com direito a defesa da não-ocupação". Eu fico intrigado com a definição de "democracia" dos integrantes do CASESO. Por acaso aqueles que precisam da sala estavam nessa assembleia? Por acaso os estudantes da UnB como um todo participaram dessa decisão? A resposta é não, e, garantindo uma cláusula de mutatis mutandis, poderia afirmar que a "ocupação" da sala por parte do CA de vocês foi exatamente tão democrática quanto a Guerra do Iraque. Pasmados? Não fiquem - a Guerra do Iraque foi uma decisão democrática, legitimada por uma decisão do Senado dos Estados Unidos da América - com direito a defesa da não-guerra, por 77 a 24.² Agora, se vocês não concordam com a frase que acabei de pronunciar, também deveriam repensar os próprios métodos. Aliás, permito-me ir ainda mais longe na comparação. Mesmo com comoção geral da comunidade internacional, os Estados Unidos não abdicaram da sua guerra, fazendo uso de argumentos como "levar a democracia para o oriente médio" para legitimar a sua guerra. Pasmados? Não fiquem! O uso da "vontade geral" como meio de legitimação de autoritarismos é algo que já vem de muito tempo e que tristemente se repete vez após vez. (Por sinal, a título de curiosidade, gostaria de reproduzir aqui a frase de George W. Bush quando soube que o Senado teria aprovado a guerra: “America speaks with one voice”. Semelhanças?)


O terceiro ponto também me deixa intrigado e, na verdade, chega quase às portas do cômico. Segundo vocês, "nosso antigo CA já não comportava o número total de estudantes do curso há anos" (grifo meu). Eu me pergunto que tamanho um CA deveria ter para comportar o número total de estudantes de qualquer curso. REL tem mais ou menos 320 estudantes então o nosso CA deveria ser do tamanho do PJC? Creio que não, e espero sinceramente que vocês creiam que não também. Acredito na inteligência de vocês e acredito que isso tenha sido uma falha da pessoa que redigiu a carta. Porém algo se faz necessário dizer: um CA não é, e nunca foi, uma estrutura para abrigar um grande número de pessoas. Ele tem sim a função de socialização e de mobilização política. Mas qualquer pessoa inteligente consegue perceber que a grande arma de um CA para a mobilização política não é uma “sala”, mas sim a pessoa jurídica Centro Acadêmico que tem voz nos espaços de decisão da universidade e também o carisma dos seus líderes no sentido de incentivar os estudantes a não serem tão passivos . Mas o mais engraçado nesse ponto não é o que eu acabei de citar, mas o argumento de que vocês não estão prejudicando ninguém porque já “enviaram um ofício (...) solicitando a realocação da aula de libras”. Caros, sou só eu que vejo o cômico nessa passagem? Porque “mandar um ofício” pedindo para que a estrutura burocrática da universidade realoque um equipamento que estava sendo instalado exatamente naquela sala há anos quando muito mais fácil, justo e democrático seria simplesmente reconhecer o erro e ir ocupar a sala exatamente ao lado? Existem centenas de salas no ICC. Justo essa, colegas?


Aliás, isso me leva ao meu quarto ponto – Será que a ação solipsista, atrapalhada e impensada e, sim, autoritária (como já deixei claro o porque) ajuda o movimento geral dos estudantes da UnB contra uma expansão... solipsista, atrapalhada e impensada (e, segundo vocês, autoritária)? A resposta que me vem facilmente à cabeça, caros, é não. O “movimento” de vocês possivelmente trouxe muito mais obstáculos do que apoio no sentido de um movimento geral dos alunos da UnB. É fácil perceber repúdio à ação de vocês em qualquer lugar na nossa universidade. E isso gera desagregação, sectarismo e, principalmente, repúdio ao movimento estudantil. Aquelas mesmas pessoas que vocês citaram no argumentum ad hominem de vocês (os “não-usuários do RU”) tendem a ser os que mais têm preconceito contra o movimento estudantil, por causa de um histórico de ações igualmente descuidadas e representativas apenas de uma parcela esquerdista-radical da universidade. Queiram vocês ou não, esses estudantes também fazem parte da UnB, provavelmente são maioria (é só ver os números de participação nas eleições) e, vejam só, são esses os corações e mentes que deveríamos estar ganhando para a causa do movimento estudantil. Porque nem o CASESO sozinho, nem o CAREL sozinho, nem ninguém sozinho conseguirá nada nessa universidade. O único meio de conseguir mudanças efetivas por parte dos órgãos decisores e da reitoria é através de uma participação ativa dos estudantes como um todo e principalmente uma ação conjunta de todos os CAs. Só assim, caros, conseguiremos fazer alguma oposição efetiva à expansão descuidada. E é isso que vocês estão destruindo. É hoje reduzido, e isso é uma conquista histórica, o número de pessoas que consegue encontrar argumentos bons para justificar que se dificulte às pessoas que têm alguma deficiência o desenvolvimento total de suas capacidades, mesmo que talvez limitadas por algum motivo exógeno.

Meu argumento chega agora a um ponto talvez inesperado – sim, eu concordo com vocês! Eu concordo que a expansão do REUNI está trazendo malefícios para a universidade! Eu estava lá na assembleia da FA contra o dobramento de vagas no curso de direito! Porém tenho plena ciência de que não é dando murro em ponta de faca que vamos resolver um problema tão intrincado e complexo. Como eu já disse, e repito, os estudantes como um todo só conseguirão fazer frente a esse desafio com união, e não fazendo as coisas impensadamente.


No próximo ponto vocês voltam ao argumento do autoritarismo: de que os estudantes de Libras saíram prejudicados, sim, mas que isso é compreensível e justificável por causa do “contexto de lutas”. Aliás, o contexto de lutas não poderia se dar em outra sala porque, segundo vocês, é longe do departamento. Longe quanto, caros? Cem metros? Cento e cinqüenta metros? E a que distância ficaria “a nova sala” para os estudantes de libras? Isso tanto faz, não é? Porque vocês fazem parte do “contexto de lutas”, e eles não, são apenas alunos? E, caros, eu tremo nas bases quando ouço argumentos como o que vocês colocaram agora. Porque a supressão de liberdades e direitos individuais em nome “de algo maior” foi o que motivou algumas das maiores atrocidades da história humana. Basta pensar superficialmente para lembrar algumas: Stálin. Pol Pot. Emílio Garrastazu Médici. E, para finalizar, contradizem-se: logo após terem dito de que não poderiam ocupar algumas das muitas salas vazias no ICC porque ficam “a uma distância considerável”, culpam os outros pelo fato de vocês estarem impedindo o acesso de alunos especiais à sala de aula. Não, caros, a culpa não é dos outros de vocês estarem especificamente nessa sala. A culpa é exclusivamente de vocês, que tanto decidiram que não queriam apoiar o movimento de vocês em uma sala “longe” do departamento, quanto que não podem sair de lá agora, mas que podem mandar um “ofício pedindo para que o ponto de vídeo seja realocado para outra sala”, independente de que sala seria essa. E também tentam colocar a atenção no outro quando dizem que o fato de a reitoria não querer “realocar” o ponto de vídeo não é porque é muito mais razoável que vocês saiam para a sala ao lado, mas por causa de um perseguicionismo maniqueísta que demoniza a reitoria e o governo e heroiciza o “movimento estudantil a serviço dos interesses da sociedade (vocês consultaram a sociedade para poderem saber que interesses eram esses ou apenas generalizaram para um todo a opinião de vocês?) autônoma e democrática (?)”



Então, colegas, concluo a minha opinião reforçando de que não estou interessado em “guerra contra o CASESO” ou nada que se assemelhe a isso. Apenas quero expor a opinião de um estudante preocupado da UnB, independente e pensante, sobre alguns dos acontecimentos que afligem a nossa universidade.


Atenciosamente,Henrique Fialho Barbosa

1) Walton, Douglas (1998): Ad Hominem Arguments. Tuscaloosa: University of Alabama Press.2) CNN.com/Inside Politics (2002-10-11). - http://archives.cnn.com/2002/ALLPOLITICS/10/11/iraq.us/. Acessado em 2 de outubro de 2009.

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