Há alguns dias elaborávamos dentro da Aliança posts semanais sobre temas que envolvem a liberdade, mesmo que não correlacionados ao campo "educação". A idéia seria postarmos artigos de membros ou conhecidos do grupo. Crendo muito oportuno o debate sobre homossexualidade, homofobia e heteronormatividade, especialmente após o detestável ato ocorrido na última festa da calourada deste semestre (amanhã iremos postar a nota do DCE/UnB a respeito), publico o primeiro trecho de um artigo que escrevi há alguns meses e foi publicado no livro da SiNUS 2010 (mais informações em http://www.sinus.org.br/2010/ ). Como de costume, as idéias expressas aqui são de responsabilidade de seu autor e não necessariamente identificam a opinião coletiva do grupo.
Por André Maia, estudante de Direito e membro da AL.
I.Homossexual
Aqui se pode apenas descrever e dizer: assim é a vida humana.
Ludwig Wittgenstein
Esta seção poderia ter diferentes títulos, em sua maioria mais claros, mais objetivos, porém não menos polêmicos, equivocados e, em sua objetividade, injustamente simplistas. Poderíamos começar por “A condição homossexual”, mas logo nos submeteríamos a um termo que carrega em si uma carga valorativa [21] por demais pesada para a peculiar circunstância que se quer debater. Poderíamos ser simples e intitular “Pessoas LGBTTs”. Porém, tal formato seria inadequado para este artigo por razões que, em breve, serão mais bem apresentadas, mas que passam por todo debate que se pretende a respeito de diversidade sexual: qual ou quais termos utilizar para identificar nosso objeto de estudo?
Poderíamos ir pelo caminho de Andrew Sullivan (1996) e, francamente, dar o formato certo a um subtítulo que encabeça uma sessão que, primordialmente, se pretende a dar respostas (mas que apresentará somente uma): faríamos uma pergunta, “O que é um homossexual?” [22]. Contudo, prepararíamos o nosso próprio fracasso. Ainda que as contribuições de Sullivan joguem luz sobre a maior parte das questões aqui levantadas, aqui não há resposta assertiva para tal pergunta.
A própria reflexão a respeito do subtítulo desta seção já aponta para o primeiro passo a ser dado: por qual razão utilizaremos as expressões homossexual e gay para designar o objeto deste estudo. É justamente em respeito à pluralidade da sigla LGBTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros) e por cada grupo por ela contemplado, que não utilizaremos a sigla como designadora do sujeito foco da discriminação a respeito da qual aqui se quer debater. Com o intuito de ter um foco claro e melhores resultados nesta pesquisa e no debate que ela suscita, nos limitaremos a aplicar o termo homossexual e/ou gay buscando designar homens e mulheres “constitutivamente, emocionalmente, e sexualmente atraídos pelo mesmo sexo” (Sullivan,1996: 9).
Mesmo que os indivíduos LGBTT possam ser contemplados em aspectos e características comuns levantados nesta pesquisa, seria desonestidade crer ou fazer crer que travestis, transexuais e transgêneros terão uma abordagem além da superficial a respeito de sua realidade. Ademais, apesar das características extremamente relevantes que diferenciam lésbicas de gays, pela simples diferença de gênero (Borrillo, 2009:23-25), e as conseqüentes implicações sociais dessas diferenças, seguiremos o entendimento bem consolidado de que “o processo de enfrentar e aceitar algo que a pessoa já é, o lento desenrolar de uma autorealização em torno de uma realidade emocional básica, é o mesmo” (Sullivan,1996: 22). Isto, contudo, não
nos impedirá de utilizar o termo “lésbica” quando este se fizer necessário por alguma relevante diferenciação dos homossexuais masculinos.
Portanto, nos questionemos a respeito desse fato, a homossexualidade [23]. Seria uma orientação ou uma escolha (ou uma preferência)? Como um indivíduo se torna homossexual? Como passa a sentir e, posteriormente, a manifestar atração por pessoas do mesmo sexo? Muitas formas de explicação já foram apresentadas por religiões, pesquisadores, associações, moralistas, revolucionários. Essa experiência pode ser considerada uma patologia, um desvio de perversão, uma benção de alguns privilegiados, uma maldição, algo que precisa ser curado, louvado ou, simplesmente, respeitado. Independente da leitura que cada indivíduo, sociedade ou governo possa fazer, essa é uma experiência que trás consigo um dado inescapável: ela existe.
Contudo, para uma construção argumentativa clara e coerente, passaremos a um segundo passo de nosso diálogo: a dicotomia orientação/escolha. Em “Praticamente Normal – uma discussão sobre o homossexualismo”, Andrew Sullivan analisa as quatro principais abordagens política a respeito da homossexualidade: os proibicionistas, os liberacionistas, os conservadores e os liberais. Para que os fundamentos de seu diálogo sejam claros, ele apresenta em seu prólogo a sua maneira de argumentar que um
homossexual, majoritariamente, o é por orientação, não por escolha. O autor utiliza não apenas argumentos lógicos como “se tivessem opção, muitos homossexuais prefeririam não o ser – o que é uma boa prova de que não existe opção” Sullivan,1996:22). Fundamentalmente seu argumento é a narrativa de sua própria experiência na infância e adolescência, retratando os sentimentos profundos e as reações a estes que o tomaram.
Por “homossexual” quero dizer simplesmente alguém que pode contar uma história semelhante à minha; alguém que descobriu na sua vida que é atraído ou atraída, emocional e sexualmente, pelo mesmo sexo; alguém que, do ponto de vista prático, não teve uma opção, de fato, a esse respeito (Sullivan,1996: 23).
A literatura [24] , em campos variados do conhecimento, como o Direito, Sociologia, Educação e Psicologia, tem referendado essa posição. Inclusive setores com perfil mais conservador, como a Igreja Católica, já indicam o alinhamento a esse entendimento (Congregação da Propagação da Doutrina da Fé,1986), mesmo que suas recomendações sejam distintas das de outros grupos ou entidades, que aceitariam a
manifestação da homoafetividade [25].
Para os pontos que seguirão, em especial o debate a respeito da homofobia e da legislação internacional, é politicamente relevante o entendimento de algo como normal ou anormal, pois a naturalização de certos valores e comportamentos está, muitas vezes, na base da construção de um preconceito e no exercício da discriminação (Borrillo, 2009). Ainda assim, independente da posição a ser assumida, não é nisto que se encerra a discussão:
A experiência humana começa com fatos assim; não se encerra com eles. Há uma lamentável tendência de tentar encontrar alguma solução definitiva para os sofrimentos humanos permanentes – seja numa cadeia de DNA, numa pesquisa psicológica conclusiva, numa análise de hipotálamos ou num versículo da Bíblia – a fim de acabar com a discussão. Ou então insistir na veracidade emocional de certa experiência e esperar que ela vença qualquer outro argumento apresentado. Mas nada disso pode substituir a discussão política e moral acerca de como uma sociedade deve lidar com a presença dos homossexuais em seu meio (Sullivan,1996: 21).
21 Não se quer negar que toda definição a ser utilizada está carregada de valores, é fruto de um construto social e evolutivo. Porém, estamos a desnudar um termo específico e sua violência intrínseca. Ver Derridá (2007).
22 Sullivan em “Praticamente Normal” usa tal pergunta para seu prólogo.
23 Utilizaremos o termo “homossexualidade” ao invés de “homossexualismo” a fim de evitarmos, como recomenda parte da literatura utilizada, a reprodução do sufixo “ismo”, geralmente utilizado para doenças ou desvios psicológicos. Ver Dias (2009) e
Lionço&Diniz (2009).
24 Ver Hockenbury (2003), Dias (2009), Lionço(2009), Eribon (2008).
25 Maria Berenice Dias (2009) defende o uso da expressão “união homoafetiva” e do termo homoafetividade como mais capazes de expressar a completude dessas relações e manifestações de afeto.
4 comentários:
Excelente, fiquei sem palavras
Fiquei de cara como que delegados da Sinus tiveram que se deparar com um texto assim: alto nível em estilo.
Apesar de não compactuar com muitas das ideias desse grupo político; fico feliz de ver que a ala que chamam de conservadora e liberal esteja fazendo esse tipo de debate; especialmente, dentro de uma Universidade de grande porte como a UnB donde muitos dogmas e preconceitos ainda estão arraigados.
Agora, gostaria de saber se a AL tem algum plano de ação ou se vai ficar apenas no discurso? Pois não se vocês sabem, mas ocorreu o ENUDS (Encontro Nacional Universitário da Diversidade Sexual). Algum membro da Al foi? Pois durante o evento, houve alguns muitos debates interessantes e lá se pode perceber que a luta por uma sociedade menos preconceituosa é grande e tem que ser constante.
Além disso, gostaria de saber a opinião de vocês com relação a alguns atos que ocorreram na UnB; como o "beijaço" e a marcha dos LGBTT...
Já volto pra responder. Mas fica a dúvida: o que é uma ala "conservadora e liberal"? :o)
Agora, respondendo com tempo. :o)
Preliminar: Fico realmente IMPRESSIONADO em vc falar em "apenas no discurso". Se há algo FUNDAMENTAL neste debate é justamente o discurso. Acredito, e falo em primeira pessoa, pois respondo como autor do artigo e não como porta voz do grupo, que essa é uma batalha no campo das idéias, do discurso. O que temos de fazer é justamente divulgar a idéia, o discurso, de que anormalidade é não ver diferenças de orientação sexual como algo absolutamente normal. No mais, dentro do âmbito da UnB, podemos apoiar a realização de eventos de conscientização.
1- Não tenho notícia de nenhum membro que tenha passado por Campinas em outubro. Portanto, acredito que ninguém tenha ido ao ENUDS. Foi bom? Como foi a abordagem do tema? Perspectivas diferentes? Espero que não tenha sido mais um evento a fazer coro surdo ao que o Sullivan chama de liberacionistas.
2-Sobre o beijaço e a marcha LGBTT foi publicado um texto neste blog que, seguramente, reflete a opinião da maioria de seus membros. Talvez não na íntegra, mas nos valores centrais expressos pelo autor, que nem é membro da AL.
http://liberdadeunb.blogspot.com/2010/06/marcha-contra-homofobia-nao-pode-se.html
Postar um comentário