quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Extensão universitária: conceito e polêmicas.

"São finalidades essenciais da Universidade de Brasília, o ensino, a pesquisa e a extensão, integrados na formação de cidad]aos qualificados para o exercício profissional e empenhados na busca de soluções democráticas para os problemas nacionais ". (Estatuto da UnB, Art. 3º).
"A Universidade de Brasília organiza e desenvolve suas atividades em conformidade com os seguintes princípios:
(...)
III. Indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão;". (Estatuto da UnB, Art. 4º, inciso terceiro).

Como podemos verificar pelas normas mencionadas, a Universidade de Brasília (como é de praxi em todo país) tem como proposta desenvolver o Ensino, a Pesquisa e a Extensão. Mais que isso, a universidade postula a indissociabilidade entre estas três atividades. O chamado tripé do Ensino Superior possui, sem dúvida, uma parte atrofiada, que é a Extensão.

A grande maioria dos alunos participa apenas das atividades de ensino, posto que o cumprimento desses créditos é conditio sine qua non para sua titulação. As atividades de Pesquisa e Extensão são, como se sabe, voluntárias. A pesquisa possui maior capacidade de atrair os alunos, visto que a quantidade de recursos disponíveis é maior e essa atividade éa chave para o sucesso acadêmico. Desconheço professor universitário que não seja, ou pelo menos tenha sido, um pesquisador, mas são inúmeros os que jamais se envolveram com projetos de extensão.

Não precisamos ir muito longe nem refletir muito para constatar que a Extensão não é tratada como tão essencial quanto a pesquisa ou o ensino e, mais patente ainda, é evidente que essas atividades são dissociáveis. Não há atualmente nada que obrigue professores ou alunos a participarem de projetos de extensão, embora haja uma mobilização dos pró-reitores de Extensão (decanos no caso da UnB) para tornar obrigatórios créditos de Extensão nos currículos de graduação.

Pretendo nesse breve ensaio abordar o conceito de extensão, suas modalidades, as principais disputas quanto ao seu papel social, bem como os seus desafios dentro da UnB.

Mas, afinal de contas, o que é a Extensão? Na definição menos controversa, a Extensão seria a atividade da Universidade encarregada de estabelecer uma ponte com sociedade civil, visando uma transformação da realidade da comunidade através do conhecimento, cultura ou técnica gestado na Universidade.

A Extensão universitária teria surgido (de forma consciente) na Universidade de Cambridge em 1867, quando esta universidade promoveu um ciclo de palestras voltado para o público não-acadêmico (Rocha, 2001, p 13). Outro modelo de Extensão é o norte-americano, no qual a comunidade universitária leva para a sociedade civil os resultados de suas pesquisas que possam contribuir para o desenvolvimento econômico. Trata-se da disseminação de técnicas, sobretudo agrícolas, que ajudavam a aumentar a produtividade do trabalho.

Havia ainda no século XIX um terceiro modelo de Extensão com viés transformador mais radical, empenhado em utilizar a Universidade para criar, dentro de setores menos favorecidos, uma consciência reformista ou revolucionária, conforme testado nas Universidades de Oviedo na Espanha e Córdoba na Argentina.
Ao longo do século XX, resumindo drasticamente o debate, a Extensão passou a ser integrada a proposta pedagógica das Universidades em todo o mundo. Isso significou um maior envolvimento da Administração das universidades na implementação dos projetos de Extensão, fornecendo pessoal, infra-estrutura para essas atividades. Outra mudança importante foi a tentativa de harmonizar a extensão as atividades de Ensino e Pesquisa.

A grande controvérsia conceitual que envolve a Extensão é o seu papel. Paulo Freire, talvez o educador de maior prestígio no Brasil, por exemplo, era crítico ao conceito tradicional de extensão (tal como o praticado em Cambridge). Ele reprovava a atitude dos extensionistas diante da sociedade, ou seja, os universitários são portadores do saber e a comunidade nada sabe. Para Freire, a extensão deveria ser uma oportunidade para o intercâmbio de saberes diferentes, qual seja, o popular e o acadêmico, sem hierarquia entre eles.

Outras atividades de Extensão não possuem nenhuma proposta de troca de saberes e se limitam a utilizar o conhecimento da Universidade para prestar algum serviço para a comunidade, de forma gratuita. Pessoalmente, não tenho nada contra esse tipo de atividade, uma vez que o TODOS os contribuintes sustentam a universidades públicas, mas só alguns desfrutam de seus serviços diretamente. Nada mais razoável que os universitários retribuírem parte do investimento prestando serviços á comunidade. Diria que esse modelo seria extensão como aplicação do Ensino ou pesquisa.

Existem ainda outras atividades que levam conhecimento, em sentido único, da Universidade para a sociedade civil. Também não tenho nenhuma objeção. A Universidade tem o dever de ir além do senso-comum em suas investigações e este pode ser transmitido a comunidade. O que há de maléfico, por exemplo, em um grupo de estudantes de Nutrição ensinarem as populações o manuseio correto dos alimentos, como adotar uma dieta equilibrada, controlar doenças e etc?

E, por fim, existe a proposta de Extensão transformadora, na qual os universitários trabalham para emancipação dos setores `dominados' da sociedade. Nas palavras de Maria das dores Nogueira, no Brasil essa concepção se desenvolve nos anos 60, por iniciativa da UNE, quando "se vêem ações concretas na direção do compromisso com as classes populares, não de forma assistencial, mas com a intenção de conscientizá-las sobre seus direitos".

Por mais que os defensores deste último modelo de extensão sejam, muitas vezes raivosos e intolerantes com os ditos `assitencialistas' ou paternalistas, há que se reconhecer que a acusação se volta contra os próprios acusadores. Ora, querer dizer para os outros quas são os direitos deles, qual deve ser a consciência deles, é não apenas assistencialista como autoritário. Foi com base nessa premissa de verdadeira consciência, que os regimes mais violentos e opressores do século se justificaram.

Enfim, são variadas as maneiras de se fazer Extensão e não vejo motivo para que os grupos fiquem se digladiando para definir o que é ou não é extensão, ou qual delas é a mais legítima. Podemos conviver com propostas diferentes, desde que haja respeito pelo pensamento discordante.

Enfim, feito esse breve passeio pelo conceito e pela história da Extensão, resta agora tratar da situação da UnB. Atualmente o Decanato de Extensão apóia diretamente cerca de 180 projetos, que foram contemplados pelo edital PIBEX 2010. Existem ainda muitos outros projetos que não estão vinculados ao Decanato em atividade, como vimos na décima semana de Extensão da UnB (SEMEX 2010).

A Extensão é sem dúvida um campo aberto para a criatividade dos alunos e pode ser enriquecedora tanto como experiência de vida, como também pela formação profissional. Mesmo quando temos uma proposta de apenas ensinar, inexoravelmente acabamos aprendendo. Quando esse aprendizado retorna para a universidade através do Ensino, todos ganham.
O texto foi escrito por Saulo Maia, estudante do oitavo semestre de História e as opiniões aqui expressas não necessariamente coincidem com a posição da Aliança pela Liberdade.

3 comentários:

Anônimo disse...

E o Hospital Universitário,é extensão?

Saulo disse...

è um serviço prestrado à comunidade, mas creio que não se enquadra oficialmente.

O Hospital Universitário tem mais o perfil de prática de Ensino que de Extensão.

Davi Brito disse...

Ótimo texto!
Muitíssimo bem embasado com opiniões bem claras!

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