quinta-feira, 11 de novembro de 2010
O paradigma das universidades brasileiras: ensino superior para todos, ensino técnico para ninguém.
Boaventura de Sousa Santos em sua famosa palestra ‘’Um Discurso sobre as Ciências’’, realizada em 1987, em Coimbra, categorizou a ciência contemporânea como dentro de um paradigma emergente possuindo, dentre outras características, o alto grau de especialização do conhecimento. Essa característica já foi observada por inúmeros outros ilustres pensadores, desde Comte até Weber. O que isso tem a ver com a realidade de nossa universidade? E eu respondo reformulando essa pergunta: o que tem a ver com a realidade das universidades públicas do país?
Em matéria publicada em 2008, a pró-reitora de graduação da UFRJ, Belkis Valdman, afirmou: "A UFRJ está caminhando em direção às novas formações profissionais, além de estar inserindo um maior número de estudantes na universidade". Entre os novos cursos da época estavam Saúde Coletiva, Comunicação Visual e Design, História da Arte e Terapia Ocupacional. A Universidade Federal de Pernambuco abriu no mesmo período, dez novos cursos, entre Dança e Engenharia de Alimentos. Na UFMG, novos cursos como Serviços de Saúde, Ciências do Estado, Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis, Licenciatura do Campo e Licenciatura Intercultural Indígena estão no rol da nova tendência brasileira, incentivada pelo Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni).
A legitimidade da existência de muitos desses novos cursos, deixarei a cargo do leitor. Devemos lembrar que não podemos colocar todos os novos cursos dentro de uma mesma categoria de legítimos ou não-legítimos, da mesma maneira que não podemos simplesmente aceitar essa tendência como algo normal, por isso imune às críticas. Critérios objetivos devem ser apresentados antes da abertura de um curso de graduação.
Observam-se duas categorias de novos cursos: os que costumavam ser ministrados em uma pós-graduação como forma de especialização e agora são oferecidos em nível de graduação, e outros que nem sequer eram cogitados como possíveis cursos superiores, como ‘’Licenciatura em Dança’’. Analisando o caso de cursos como ‘’Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis’’, chega-se à conclusão que a educação técnica no país cedeu espaço para o inchaço no ensino superior, com a lógica de que o ensino superior tem que ser para todos e o ensino técnico para ninguém.
Na Universidade de Brasília, observamos recentemente a criação de novos cursos, não só em campi recém criados, mas (ou principalmente) no campus Darcy Ribeiro. Nove novos cursos foram aprovados apenas no ano de 2009. Todos possuem boas justificativas para a existência? Nenhum deveria ser criado? A análise deve ser pontual e cobrada pelos alunos, pois são eles os que mais sentirão as conseqüências.
Em 2008 foi criado na UnB, campus Ceilândia, o curso ‘’Gestão de Saúde’’ e em 2010 o curso ‘’Gestão em Saúde Pública’’, no campus Darcy Ribeiro. Os dois cursos respondem a uma demanda por profissionais que possam administrar instituições de saúde, tendo conhecimentos de gestão e ao mesmo tempo de biologia, química, etc. Qual a diferença que justifica a existência desses dois cursos e não de um só? Um seria gestão de saúde individual enquanto o outro de saúde coletiva? Qual o critério utilizado para a abertura de um curso de graduação na UnB?
O problema não é a abertura de novos cursos, pois muitos são sim necessários. O que preocupa é que o objetivo de tornar a universidade maior, com mais opções de cursos e vagas, não necessariamente vem acompanhado de qualidade ou mesmo de uma necessidade que compense a despesa. Todos sabem que os recursos são escassos, as pesquisas no país não são incentivadas como deveriam ser, alguns departamentos têm carência de professores, a estrutura física muitas vezes é precária e, entrementes, novos cursos são abertos todos os dias. Muitos deveriam estar inseridos na Universidade ou em escolas técnicas de qualidade?
Da maneira como está, com critérios pouco conhecidos, abriremos precedente para a criação de, por exemplo, graduações em Sociologia do Esporte, Direito Penal, Microeconomia e a possibilidade de toda e qualquer matéria ou especialização se tornar curso. O objetivo de abrir mais vagas utilizando para isso novos cursos pode prejudicar os próprios alunos, quando se depararem com eventuais indefinições de projetos pedagógicos, orçamento cada vez mais apertado e carência de estrutura física, características infelizmente cada vez mais comuns em universidades mais ‘’democráticas’’.
Artigo escrito por Rodrigo Lyra, estudante de Ciências Sociais, membro da Aliança pela Liberdade e do CEPE. As opiniões expressas no texto são de responsabilidade de seu autor e não necessariamente refletem a opinião da organização Aliança pela Liberdade.
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3 comentários:
Texto muitíssimo oportuno!
Parabéns, Rodrigo!
Posso até discordar de algumas críticas específicas, mas concordo com o argumento central!
Outra questão é: se é pra ter novos cursos e a UnB está em expansão, pq não criar os novos cursos precisamente nos novos campi, já que o Darcy Ribeiro já está saturado e nos outros campi existe uma ideia de capilarização comunitária da UnB?
Góes,
Sobre cursos em novos campi, sou da seguinte opinião: SÓ E SOMENTE devemos aceitar criação de novos cursos (considerando que toda a fundamentação acadêmica/administrativa já tenha ocorrido de forma extensa e profunda)quando os prédios que foram prometidos estiverem entregues. Até lá, nenhuma vaga a mais!
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